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“O caminho que estamos indo é o do suicídio”, afirmou António Guterres,
secretário-geral da ONU, em uma entrevista de 30 de novembro, e que a sobrevivência humana será
“impossível” sem os Estados Unidos aderirem ao Acordo de Paris e
alcançar o “saldo zero” em emissões de carbono até 2050, como o
presidente-eleito Joe Biden tem prometido.
O secretário-geral disse que “é claro” que ele está em contato com o presidente-eleito Joe Biden e planejando em reunir os EUA em uma “coalizão global para zerar as emissões líquidas de carbono até 2050”, organizada pela ONU. Os EUA são o país que mais acumula recursos para enfrentar o aquecimento global e é a maior potência econômica e militar, destacou Guterres, e que “não há forma de resolvermos o problema climático sem uma forte liderança estadunidense”.
Em uma conquista diplomática extraordinária, embora
amplamente desconhecida, a maioria dos principais emissores do mundo já aderiu
à coalizão “emissões líquidas zero até 2050” da ONU,
incluindo a União Europeia, Japão, Reino Unido e China (que
é a maior fonte do mundo das emissões anuais e se comprometeu a alcançar a
neutralidade de carbono “antes de 2060”). A Índia, por sua vez, o
terceiro maior emissor anual do mundo, é o único país do G20 a
caminho de limitar o aumento da temperatura a 2° C até 2100, apesar de precisar
tirar muitos dos seus habitantes da pobreza, uma conquista que Guterres chamou
de “notável”. Junto com a Rússia, também um petroestado, os EUA são
a única grande resistência, depois que o presidente Donald Trump anunciou
que estava retirando os EUA do Acordo de Paris em junho de 2017.
As novas promessas podem trazer os objetivos do Acordo
de Paris “ao alcance”, desde que as promessas sejam cumpridas,
concluiu uma análise do grupo de pesquisa independente Climate Action
Tracker. Se assim for, o aumento da temperatura poderia ser limitado a 2,1
°C, disse o grupo – mais alto do que a meta do acordo de 1,5° a 2° C, mas uma
melhor que o futuro de 3° a 5° C, que o modelo atual proporcionaria.
“As metas estabelecidas em Paris sempre foram
feitas para serem aumentadas com o tempo”, disse Guterres.
“[Agora,] precisamos alinhar esses compromissos com um futuro de 1,5° C, e
então implementarmos”.
Reiterando a advertência dos cientistas de que a humanidade
enfrenta “uma emergência
climática”, o secretário-geral disse que alcançar a neutralidade do
carbono até 2050 é fundamental para evitar impactos “irreversíveis”
que seriam “absolutamente devastadores para a economia mundial e para a vida
humana”. Ele disse que os países ricos devem honrar sua obrigação sob o Acordo
de Paris de fornecer 100 bilhões de dólares por ano para ajudar
os países em
desenvolvimento a limitar sua própria poluição climática e a se
adaptar às ondas de calor, tempestades e aumento do nível do mar já em
andamento.
Os trilhões de dólares que agora estão sendo investidos para
reviver economias
atingidas pela pandemia também devem ser gastos de uma forma “verde”,
argumentou Guterres, ou as gerações mais jovens de hoje herdarão
“um planeta destruído”. E ele previu que a indústria de petróleo e gás, em sua
forma atual, morrerá antes do final deste século, à medida que as economias
mudam para fontes de energia renováveis.
A entrevista do secretário-geral, conduzida pela CBS News,
The Times of India e El Pais em nome do consórcio jornalístico Covering Climate
Now, é parte de um esforço de dez dias da ONU para revigorar o Acordo
de Paris antes da conferência do próximo ano. Essa conferência,
conhecida como COP
26, deveria ocorrer nesta semana, mas foi adiada devido à pandemia.
Em 12 de dezembro de 2020, Guterres marcará o quinto
aniversário da assinatura do Acordo de Paris, convocando uma cúpula climática
global com Boris Johnson, que como primeiro-ministro do Reino Unido
é o anfitrião oficial da COP 26, que está programada para ocorrer
em Glasgow, Escócia, em novembro próximo.
Um total de 110 países aderiram à coalizão “emissões
líquidas zero até 2050”, disse o secretário-geral, um desenvolvimento que
ele atribuiu ao crescente reconhecimento dos eventos climáticos extremos cada
vez mais frequentes e destrutivos que a catástrofe climática está
desencadeando em todo o mundo e à “tremenda pressão” que os governos têm
enfrentado desde a sociedade civil, incluindo milhões de jovens
protestando em praticamente todos os países, bem como cada vez mais do
setor privado.
“Os governos, até agora, pensavam até certo ponto que
poderiam fazer o que quisessem”, disse Guterres. “Mas agora...
vemos a juventude se mobilizando de formas fantásticas em todo o mundo”.
E com a energia solar e outras fontes de energia renováveis agora
mais baratas do que equivalentes baseados em carbono, os
investidores estão percebendo que “quanto mais cedo eles se mudarem para
carteiras ligadas à nova economia verde e digital, melhor será para seus
próprios ativos e seus próprios clientes”.
Para uma economia global que ainda depende de petróleo,
gás e carvão para a maior parte de sua energia e grande parte de sua
produção de alimentos, mover-se para “zero líquido” em 2050, no entanto,
representa uma mudança tectônica – ainda mais porque os cientistas calculam que
as emissões devem cair aproximadamente pela metade nos próximos 10 anos para
atingir a meta de 2050. Alcançar esses objetivos exigirão mudanças fundamentais
nas políticas públicas e privadas, incluindo a não construção de
novas usinas a carvão e a eliminação das existentes,
disse Guterres. Os governos também devem reformar as práticas
fiscais e de subsídios.
“Não deveriam continuar existindo subsídios para combustíveis
fósseis”, disse ele. “Não faz sentido que o dinheiro dos contribuintes seja
gasto destruindo o planeta. Ao mesmo tempo, devemos transferir a tributação da
renda para o carbono, dos contribuintes para os poluidores. Não
estou pedindo aos governos que aumentem os impostos. Estou pedindo aos governos
que reduzam os impostos sobre as folhas de pagamento ou sobre
as empresas que se comprometem a investir em energia verde e a
colocar esse nível de tributação na poluição por carbono”.
Governos também devem aplicar uma “transição justa”
para as pessoas e comunidades afetadas pela fase de retirada dos combustíveis
fósseis, com trabalhadores recebendo seguro-desemprego e sendo treinados para
empregos de economia
verde. “Quando eu estava no governo [como primeiro-ministro de Portugal],
nós fechamos todas as minas de carvão”, contou. “Nós fizemos tudo que nós
podíamos para ter certeza que aqueles que trabalhavam nessas minas teriam seus
futuros garantidos”.
O “ciclo do petróleo, como uma chave central do motor da
economia mundial acabou”, afirmou Guterres. Ao final do século XXI,
o petróleo deve ser utilizado “como matéria-prima para
diferentes produtos..., mas o papel dos combustíveis fósseis como fonte de
energia será mínimo”. Enquanto as companhias estatais de combustíveis fósseis
continuem ambicionando produzir mais petróleo, gás e carvão, Guterres disse
que ao longo da história vários setores econômicos emergiram e caíram, e que
o setor
digital tem deslocado o setor de combustível fóssil como o centro
da economia global. “Eu estou totalmente convencido que a maioria
do petróleo e gás que está no solo hoje, continuará no solo”, concluiu.
A reportagem é de Mark Hertsgaard, publicada por National Catholic Reporter,
02-12-2020. A tradução é de Wagner
Fernandes de Azevedo.