Avelino
Coelho e Xanana Gusmão
- J.T.
Matebian, em Timor-Leste / Jornal Tornado-Texto en portugués
Esta é a
pergunta colocada pelo político e académico Avelino Coelho, após 20 anos da
data que assinalou o referendo em Timor-Leste, em 30 de Agosto de 1999, e
depois do governo transitório da ONU ter cumprido a sua missão.
Passadas duas
décadas do referendo em Timor-Leste e da restauração da independência em 2002
persistem os problemas socioeconómicos neste país lusófono. Para tentar
analisar-se a situação em que este país se encontra, decidimos auscultar a
opinião de um dos nacionalistas mais coerentes e respeitados de Timor-Leste,
Avelino Maria Coelho da Silva.
Interpelado
pelo nosso Jornal sobre o day after do Referendo, Avelino
Coelho interroga-se: “a UNTAET transmitiu de facto o poder aos timorenses?”.
O referendo e
as questões não resolvidas
As
negociações tripartidas conduzidas pela Organização das Nações Unidas (ONU) e
envolvendo Portugal e a Indonésia, apesar da controvérsia que gerou,
culminaram, em 5 de Maio de 1999, com a assinatura de um acordo para a
realização de uma consulta Popular em Timor-Leste que ocorreu no dia 30 de
Agosto de 1999, há duas décadas.
Por ocasião
da efeméride, o Parlamento Nacional de Timor-Leste anunciou a edição para
breve de um livro «sobre o Referendo» para honrar a memória de todos aqueles
que sofreram no arrastado conflito político-militar cujos excessos provocaram a
morte de muitos milhares de pessoas.
A propósito
do referendo, Avelino Coelho, conhecido durante a luta de libertação pelo nome
de código “Shalar kosi / FF”, e considerado um dos principais líderes da Frente
Clandestina, referiu que o referendo expressou “a realização histórica de um
povo que acreditou no seu direito e por ela, denodadamente, se bateu, apesar
das incomensuráveis dificuldades e desafios”.
Mas, passaram
20 anos do referendo, e persistem muitos problemas socioeconómicos neste país
lusófono, havendo inúmeras questões não resolvidas. A reflexão em torno das
consequências da realização do referendo, segundo Coelho, é por isso “um
imperativo nacional na medida em que apesar de termos anunciado a nossa
independência, é sabido que mesmo depois da Libertação, persistem os problemas
socio-económicos, sem solução, e arrastam-se cada vez mais, distanciando as
famílias das vítimas da realização dos sonhos pelos quais os seus ente queridos
deram a vida”.
A guerra de libertação
de Timor-Leste e a luta pela democratização na Indonésia
As
negociações tripartidas conduzidas pela ONU, envolvendo Portugal e Indonésia,
apesar da controvérsia que gerou, em 5 de Maio de 1999, culminaram com a
assinatura do acordo da realização da consulta Popular.
O nosso
inquirido é da opinião que em relação à história de libertação de Timor-Leste
muito há para contar e escrever.
Para este
académico e político, “é fundamental registar que a assinatura do acordo de
5 de Maio de 1999 não foi somente produto da capacidade diplomática de Portugal
e dos seus aliados, mas houve outros factores, como a contínua presença da
Guerrilha, que ganhando novas forças e novas formas de combate, alastraram o
campo de combate para a Indonésia, onde se destacaram as acções desenvolvidas
pela Brigada Negra (BN), pela Associação Socialista de Timor (AST), e por
outras organizações estudantis que pugnavam pela indonesianização do conflito
de Timor-Leste”.
Sobre este
período da história de libertação de Timor-Leste, analise-se o excerto de um
documento escrito por Avelino Coelho entregue no Parlamento Nacional:
A guerra de
Libertação de Timor-Leste, bem como a Luta pela Democratização na
Indonésia, eram dois lados da mesma moeda, perante o regime opressor. Um dos
grandes opositores da Indonésia tinha expressado numa reunião que tive com os
líderes da OJECTIL, em 1984 em Díli, de que a guerra de libertação
é uma guerra que não conhece fronteiras físicas e geográficas. Ele estava
correcto! Pois, porque a Luta de Timor-Leste, a iniciar nos anos de 1987,
encontrou nos movimentos pró-democratas da Indonésia um aliado táctico e
estratégico fiel até à queda de Soeharto.
Efectivamente,
a elevada consciência nacional dos movimentos democráticos, inicialmente
em 1996 avançados pelo PRD ( Partai Rakyat Demokratik) e pelo PUDI (Sri Bintang
Pamungkas) e que veio a culminar num movimento amplo após a crise
monetária e económica, impulsionou a queda de Soeharto; a subida ao trono
por Habibie, todos, comulativamente, forçaram a diplomacia portuguesa, a
Austrália e outros a aceitar a proposta de Habibie.
Contudo,
lendo bem o conteúdo do acordo de 5 de Maio de 1999, tudo indica que a
Diplomacia Portuguesa marcou um ponto demasiado fraco em não exigir as opções,
votar por Portugal ou por Indonésia; ou Votar pela Proclamação de 28 de
Novembro ou pela Declaração de Balibó. A Diplomacia Indonésia foi muito mais
longe! Conseguiu fazer com que Portugal aceitasse as duas opções, “Votar pela
Autonomia, ou Contra a Autonomia”, proposta avançada pela diplomacia Indonésia.
Ao aceitar
esta proposta, Portugal demonstrou a sua fragilidade porque a proposta
condicionava a não negação do estatuto político de Integração. Quer isto dizer
que o estatuto de integração não se questionava porque autonomia é
estatuto administrativo. Portugal conseguiu ultrapassar esta situação somente
com a inclusão do texto “se votar contra a autonomia, significa separar-se da
Indonésia” e que as duas potências procurarão mecanismos legais internos para
retirar Timor-Leste do seu quadro legal e entregar Timor-Leste às Nações
Unidas, para concluir o processo de descolonização interrompido em 1975.
O Partido
Socialista de Timor (PST), em que eu estava nele envolvido com outros
camaradas, tais como António Maher Lopes (Fatuk Mutin), Nelson Correia (Mau
Tula), José da Costa Belo (Mausinga), Gui Campos, Flarinando Coimbra, Azancot
de Menezes e outros membros, apresentou um projecto de Descolonização de Dois
Tetos.
Esta proposta
propunha a criação de um Comité de Bons Ofícios, que seria composto por
Portugal, pela Indonésia, e um terceiro Estado, gerido pelas Nações Unidas,
para administrar os resultados do Referendum, antes de se passar o poder aos
timorenses. O outro teto compunha-se dos líderes timorenses das duas
opções para acompanhar e contribuir na gestão da transição política e,
paralelamente, assumir, faseadamente a administração. O Comité deveria
reunir-se sempre com o segundo Teto para as tomadas de decisões.
De qualquer
das maneiras, foi naquele quadro político-legal que se organizou o Referendum.
O REFERENDO produziu o resultado. O Povo de Timor-Leste, apesar dos grandes
riscos de vida, corajosamente, foi às urnas deixar o seu veredicto final.
Votou, na expectativa de que a Independência traria os frutos de uma liberdade
e vida emancipada.
Depois do
anúncio dos resultados, teve lugar o que poderia ser chamado por “terra
queimada”. Este acto colocou Timor-Leste num cenário difícil e de várias
vertentes. A completa destruição das infraestruturas e muitos edifícios fez com
que Timor-Leste perdeu as condições de entrar directamente numa fase mais
avançada do processo de transição. A Resistência e a Parte Indonésia tinham
aceitado que depois do Referendo seria efectuado uma reunião entre as duas
partes para discutir o futuro que viria depois dos resultados do Referendo.
Foi marcado
para 5 de Setembro de 1999 e a ser realizado o encontro em Díli. Contudo, o 4
de Setembro impediu a realização deste encontro e levou Timor-Leste a outro
cenário. Casas queimadas e destruídas; bens roubados; deslocação das populações
para destinos diferentes. Enfim, uma ordem de sacrifícios e sofrimentos
desmedidos que pairou sobre o Povo de Timor-Leste.
A
Reconciliação mensurada nos encontros cognominados “ Dare I e Dare II”
foi simplesmente um acto de “mesa” para episódio
político e publicidade. Os Líderes timorenses, apesar de acreditarem na
Reconciliação, dependiam dos ventos que sopravam de lados opostos e nunca
podiam reter o rumo da violência, porque não eram sujeitos do percurso
histórico!
O referendo,
a UNTAET e as agências internacionais
Ao falarmos
do REFERENDO nunca se deve separar dos seus resultados os mecanismos
estabelecidos no acordo de 5 de Maio de 1999.
Segundo
Avelino Coelho, o acordo de 5 de Maio de 1999 criou mecanismos próprios e
relevantes para abordar a solução e desenvolver um modelo de organização de
administração que permitiria às Nações Unidas cumprir o seu mandato de
descolonização, já que a potência administrante não estava em condições de
cumprir as suas obrigações.
O Secretário
Geral das Nações Unidas, auferidos os resultados, usando do seu mandato
estabeleceu a UNTAET como administração transitória. Na opinião de Coelho “havia
duas tarefas interligadas: Reconstrução das infraestruturas e transição
política para a transferência do Poder aos Timorenses”.
A verdade é
que no contexto vivido de forma muito conturbada, nos dias seguintes ao
referendo, depois da divulgação dos resultados, em que foram destruídas vidas e
infraestruturas essenciais como escolas, hospitais e quartéis, entre outras,
assistiu-se de forma significativa ao aumento da dependência externa dos
timorenses na medida em que o país ficou totalmente destruído e sem meios de
subsistência.
Nesta linha
de raciocínio, numa perspectiva de problematização, atendendo a que a pobreza e
a miséria estão espalhados pelo país, Avelino Coelho pergunta: “será que
os problemas sociais e económicos do povo irão ser resolvidos nos
próximos anos? A administração transitória transferiu de facto o poder aos
timorenses?
Timor-Leste
precisa de um modelo socioeconómico não importado
A ideia que
transparece das dúvidas deste académico e político remetem para uma pergunta de
âmbito ainda mais profundo e complexo habitualmente colocada pelos socialistas
timorenses:
Será que a
UNTAET trazia consigo uma agenda estruturada, em articulação com agências
internacionais, e à revelia dos interesses económicos e culturais nacionais?
Será que o
modelo de democracia introduzida em Timor-Leste, actualmente em
desenvolvimento, cimentará uma cultura de governação e de governo que responda
aos anseios da sociedade?
Estas
questões complexas (não resolvidas) pairam nas mentes de milhares de
timorenses, porquanto, refere Avelino Coelho, passados 20 anos, “Timor-Leste
continua a ser um campo experimental, à revelia dos mais fragilizados e
necessitados, aqueles que não têm voz, precisamente pela total dependência
económica em que vivemos, com a presença crescente de projectos internacionais
concebidos no exterior, nomeadamente nos sectores da educação e da agricultura,
uma espécie de «pronto a vestir», operacionalizados no país por assessores
internacionais e por nacionais menos avisados, e que em nada favorecem o
progresso, o desenvolvimento e a independência nacional”.
Em conclusão,
lê-se no pensamento de Avelino Coelho, o Referendo foi um mecanismo
internacional utilizado para solucionar o conflito político-militar em
Timor-Leste.
Depois do
Referendo e da Restauração da Independência, defende Coelho, “compete agora
aos líderes timorenses guiarem este Povo pelos seus próprios caminhos de
Democracia e aplicar um modelo socioeconómico, não importado, mais adequado,
para que se possa erguer Timor-Leste como uma Nação e um Estado Soberano
firmado na sua própria cultura e valores de civilização que com ela cresceu
antes do cruzamento com outros povos e valores”.
Durante a
luta de Resistência pela Libertação do País assumiu funções relevantes, tendo
sido indigitado em 1995 para assumir o cargo de Conselheiro Político Militar
tendo trabalhado directamente com o Comandante-em-Chefe das Forças Armadas de
Libertação Nacional de Timor-Leste (FALINTIL), Kay Rala Xanana Gusmão.
Como
principal fundador da Brigada Negra (BN), um Comando Especial das FALINTIL para
a Guerrilha Urbana em Timor-Leste e na Indonésia, teve um papel
determinante na organização da Frente Clandestina nestes dois países. Foi
também fundador da Associação Socialista de Timor (AST), OJECTIL e de outras
organizações da resistência.
Em 1996 foi
indigitado pelo Comandante-em-Chefe das FALINTIL para assumir o cargo de
Colaborador do EMG-FALINTIL, trabalhando directamente com o Chefe do Estado
Maior das FALINTIL, Comandante Taur Matan Ruak.
Foi membro do
Conselho Consultivo Nacional da UNTAET entre 1999 – 2000 e, na reestruturação
do Órgão para o Conselho Nacional foi ainda membro do mesmo até 2001.
Foi
Secretário de Estado para a Política Energética no IV Governo Constitucional de
Timor-Leste (2007–2012) e Secretário de Estado do Conselho de Ministros nos V e
VI Governos (2012–2017) de Timor-Leste.
Desde a sua
fundação é presidente do Partido Socialista de Timor (PST).
Força Especial
das FALINTIL
Avelino
Coelho e Xanana Gusmão
A Brigada
Negra, também conhecida por BN, fundada em 16 de Março de 1996, era uma das
alas militares que integrava o Comando das Forças Armadas de Libertação
Nacional de Timor-Leste (FALINTIL) e desempenhava acções políticas e militares
durante a Luta de Libertação Nacional numa lógica de Guerrilha Urbana.
Enquanto
força especial das Forças Armadas de Libertação Nacional de Timor-Leste
(FALINTIL), actuando sob orientação estratégica do Comandante-Em-Chefe das FALINTIL,
Kay Rala Xanana Gusmão, a supervisão da sua operacionalização ficou sob
responsabilidade de Avelino Coelho (Shalar Kosi, FF).
A Brigada
Negra também tinha um Chefe Principal, coadjuvado por vários assistentes
operacionais que chefiavam várias secções, e uma representação no exterior para
angariação de apoios. Havia
quatro secções:
- A Secção A tratava
do estudo, organização e planeamento da aquisição de material de guerra
para a Brigada Negra e para a Resistência Armada (RA). O planeamento,
execução e envio do material à RA era definido segundo mecanismos próprios
e em resposta às necessidades que fossem surgindo. Esta Secção começou a
funcionar em 1995 e integrava-se nos planos da F. Operação Asuwain. Entre
1995 e 1996 fez-se a organização e tratou-se de toda a preparação interna,
e no início de 1997, sob instruções e decisões do Comandante-Em-Chefe das
FALINTIL, a actuação.
- A Secção B tinha
como grande missão o recrutamento de elementos e a sua preparação técnica
na fabricação de explosivos para uso da Brigada Negra e das FALINTIL, e a
mobilização desses explosivos para a Resistência Armada. E ainda havia as
Secções C e D que tinham como grande missão provocar o caos total na
Indonésia.
- A Secção C estava
planeada para desencadear a guerrilha urbana em Timor-Leste e na
Indonésia, através de sabotagens armadas, principalmente na Indonésia,
visando pontos estratégicos, económicos, e pontos sensíveis que pudessem
provocar reacções nas massas populares contra o regime. Toda esta
estratégia está definida no Job Description da BN.
- A Secção D,
basicamente, fazia trabalhos de inteligência e contra-inteligência, e só
um número muito restrito da cúpula teve acesso ao seu modo de organização
e funcionamento.