Por Bruno Beaklini (*) /
Foto: Pixabay – Texto en portugués.
O conflito russo-ucraniano e antes as sanções aplicadas contra o Irã ou qualquer outro inimigo contundente do império estadunidense e seu projeto colonial de Apartheid na Palestina Ocupada, demonstram de forma direta que nenhum agente em escala global ou continental pode estar confortável sob o risco de sofrer sanções e desligamento do Sistema Swift. A diversificação de investimentos, a busca constante por melhores condições nos fatores de troca e as garantias para os projetos estratégicos são três fundamentos válidos para qualquer país com vontade soberana. Logo, trata-se da admissão da derrota quando diante do problema, caso os tomadores de decisão e as instituições centrais dos países não tomam posição diante do evidente desafio.
A fusão entre o capitalismo que
irradia do centro para o planeta sob a hegemonia do capital financeiro e o
poder político-cultural-militar e cibernético com os Estados Unidos à frente
tem ao menos duas constâncias. Uma destas é que a “globalização serve” quando é
centralizada pelos lobbies que operam em Washington junto ao “deep state”
anglo-saxão e sionista. Se estes se veem ameaçados de alguma forma, mudam a
regra do jogo e não têm pudor nenhum em ferir primeiro os aliados de primeira
ordem. A outra constância é do conflito distributivo. Cada vez que a luta
social consegue distribuir minimamente dentro de alguma forma “madura” de
capitalismo, o centro do sistema faz o possível para implodir estas bases, sem
nenhum tipo de remorso em condenar a fome, miséria e o endividamento eterno sua
própria população.
Na década de ’70, uma das razões
tomadas para acabar com os “trinta anos gloriosos do capitalismo sob a
planificação socialdemocrata”, foi o enorme poder de compra dos salários e a
massa sindicalizada no coração do ocidente europeu. Os PIBs dos países membros
da OTAN eram quase meio a meio, com o peso do capital equiparado com o do
trabalho, incluindo as garantias de políticas públicas e dos direitos sociais
amplos. A Europa dividia poder entre a massa assalariada e as oligarquias do
pós-Guerra e isso foi sendo demolido na Era Thatcher-Reagan. Outro alvo do uso
da moeda como arma de guerra contra os aliados ocidentais eram as amplas
margens dos chamados eurodólares e o peso do iene japonês nos anos 1970. Na
década de ’90, o alvo contra o aliado foi a Coreia do Sul, justamente quando
estava a colher os louros de seu processo de industrialização, oriundo de cinco
planos quinquenais e com estrito controle de capitais.
Exemplos não faltam e os sintomas
ocorrem novamente no século XXI, na busca por saídas para a farsa com nome de
crise ocorrida no coração do capitalismo ocidental entre os anos de 2007 e
2010. O jornalista Luis Nassif, especializado em economia real e governo, nos
apresenta o tema da abertura de espaços próprios para além da tirania do dólar.
Estamos diante de uma constante. A abertura de zonas de comércio, trocas,
reservas e diplomacia econômica em escala continental ou global, e a reação dos
Estados Unidos. Se acompanharmos as medidas tomadas no primeiro governo Nixon,
abordadas por este que escreve nesta mesma publicação, veremos que sempre que
há uma ampliação de espaços que rumam para a soberania no uso da moeda, a Casa
Branca reage. Vejamos duas evidências, a
começar pelos aliados europeus.
“A partir de 2012, o Banco
Central europeu se apresentou como provedor de liquidez de último recurso para
mercados de ativos denominados em euros. Em 2020 foi criado o European Recovery
Fund, com 850 bilhões de euros. Criou-se a expectativa de aumento da oferta de
títulos AAA (os mais seguros) disponíveis para bancos centrais.”
Movimento semelhante foi
aprofundado pelo governo central da China em seu processo de
internacionalização de capitais e abandono progressivo do uso da moeda
estadunidense. A tendência é o estabelecer de um território econômico
semi-autárquico centrado nas reservas chinesas, como também nos
demonstra Nassif.
“Por sua vez, a China passou a
investir pesadamente na internacionalização da sua moeda, graças ao aumento do
comércio exterior – importações e exportações -, investimentos na Rota da Seda,
uma rede global permitindo swap do renminbi com bancos oficiais de compensação
e, finalmente, a adição do renminbi à cesta de Direitos Especiais de Saque, a
moeda do FMI. O próximo passo será a emissão do e-CNY, a moeda digital
chinesa.”
Não se trata de alarmismo, mas de
seguir o empenho da segunda maior economia do planeta e que caminha a passos
largos para ser a primeira. O mundo para quem depende de dólares e da vontade
política das oligarquias anglo-saxãs é muito arriscado.
Perigo real e imediato
Trabalho com um princípio
analítico de que se tenho dúvidas profundas, pergunto aos maiores interessados
em manutenção do status quo. Se do coração das finanças europeias vem um sinal
de alerta para o privilégio exorbitante do dólar e a necessidade de se buscar
alternativas e da construção de espaços independentes da “boa vontade” de Washington
e NYC, é mais que razoável estar atento.
O analista do Crédit Suisse
Zoltan Pozsar nos brinda com essa
análise com excelente capacidade de síntese.
“Na física o conhecimento é
cumulativo. Em finanças, o conhecimento é cíclico – as pessoas vêm e vão,
tendemos a esquecer. Acreditamos que não há diferença entre o Lehman Brothers
incapaz de devolver os fundos em dinheiro porque seu agente de compensação
tripartite não está disposto a desfazer as operações compromissadas, e bancos
incapazes de receber e fazer pagamentos porque estão fora do SWIFT. O risco
Herstatt – risco de liquidação – deve seu nome a um acidente em um único banco.
O risco no cenário atual envolve todo o sistema bancário de um país. A
incapacidade dos bancos de efetuar pagamentos devido à sua exclusão do SWIFT é
a mesma como a incapacidade do Lehman Brothers de fazer pagamentos devido à
falta de vontade de seu banco de compensação enviar pagamentos em seu nome. A
história não se repete, mas rima. A consequência de excluir bancos do SWIFT é
real, assim como a necessidade para que os bancos centrais reativem as
operações diárias de fornecimento de fundos em dólares americanos.”
Uma das formas de combater essa
necessidade premente, o que pode levar a uma renovada e permanente corrida ao
dólar, é a busca por alternativas. Para isso é preciso ter escala, e a América
Latina, ou mesmo a América do Sul – começando pelo Mercosul – pode ser um pilar
inicial. Tal tema é importante demais para abordar brevemente, mas vale a
observação e o compromisso de texto exclusivo para logo.
O conceito-chave está
apresentado. Buscar ampliar a erosão do dólar e combater o apagamento da
memória coletiva sobre as crises provocadas pelas falências bancárias e a
prepotência dos EUA em escala global, usando a moeda e as finanças com a
eficiência de um porta-aviões. Na defesa das economias reais que garantam o
bem-estar das populações, somente o arranjo de territórios econômicos
complementares nos continentes pode abrir este espaço necessário. Ficar à
mercê de Washington e sua tirania financeira é como estar desenganado,
subordinando povos e países inteiros ao imperialismo anglo-sionista.
Publicado originalmente
no Monitor
do Oriente Médio / Tomado de Sul 21 – Brasil.
(*) Bruno Lima Rocha Beaklini (@estanalise
/ blimarocha@gmail.com/ estrategiaeanaliseblog.com)