Texto en portugués
- Paulo Casaca, em
Bruxelas – Tomado de Jornal Tornado
Independentemente da eliminação de Al
Baghdadi vários sinais recentes apontam para um declínio da capacidade de
mobilização do Jihadismo paralelamente à sua mobilização por lógicas
imperialistas.
1. Ásia do Sul
Em artigo que publiquei no ‘New Delhi Times’ expliquei por que razão penso que o
Ocidente menorizou a importância da Ásia do Sul no desenvolvimento do moderno
jihadismo.
Em primeiro lugar, o Ocidente
percebeu as implicações do fenómeno tardiamente, na senda de um artigo seminal
de Bernard Lewis, ‘O regresso do Islão’ editado em 1976. Bernard Lewis,
falecido em 2018, foi um intelectual de primeira, talvez o principal
orientalista.
Em segundo lugar, Bernard Lewis, como
de resto a generalidade do Ocidente, esteve sempre mais preocupado com o
islamismo no Médio Oriente do que na Ásia do Sul.
Para o Ocidente o jihadismo egípcio
aparecia como preocupante por se desenvolver às suas portas e se assumir
claramente como antiocidental, enquanto o jihadismo na Transcaucásia e na Ásia
Central era visto como força positiva que iria pôr em causa a União Soviética e
o da Ásia do Sul era visto ou como algo que só deveria preocupar os indígenas e
que, indirectamente, seria também útil para conter a União Soviética e o
nacionalismo do terceiro mundo.
É por essa razão que é sempre dada
mais atenção ao ramo egípcio do que ao ramo indiano daquilo que se veio a
tornar na rede internacional da ‘Irmandade Muçulmana’. Conceptualmente, creio
que se trata de um erro, porque um texto como ‘O Islão e a Jihad’ do então
indiano Maulala Ala Maududi (fundador do Jamaat-e-Islami, JeI) é mais
importante para a compreensão dos fundamentos do moderno jihadismo do que toda
a literatura de Sayyid Qutb ou qualquer dos outros ícones da Irmandade
Muçulmana egípcia.
Geopoliticamente, também me parece
claramente um erro. O Islão da Ásia Central e mesmo na Ásia do Sul tem uma
forte tradição sufista, ou seja, de um Islão nos antípodas do jihadismo. É uma
tradição que provavelmente não era propícia ao lançamento da Jihad
antissoviética, mas o problema, é que a Jihad não é especificamente
antissoviética, é antitudo o que lhe possa fazer concorrência, e obviamente
anti-ocidental em primeiro plano.
Se antes do 11 de Setembro a falta de
entendimento sobre este tema poderia até certo ponto compreensível, depois,
disso, é indesculpável. A verdade é que, perante a evidência dos perigos
colocados pelo Jihadismo, o Ocidente continuou e continua cego, acreditando nas
mais ridículas efabulações, como as de talibans moderados que se poderiam mesmo
separar da Al Qaeda se lhes fosse pedido para isso, ou de uns jihadistas apenas
anti India e interessados só no Cachemira.
Se na Ásia Central o refluxo do
jihadismo já tinha começado há bastante tempo, o que me parece agora
extremamente interessante é a progressiva incapacidade do Jihadismo para se
impor no Afeganistão, no Cachemira ou nas zonas tribais paquistanesas.
A etnia Pashtun, maioritária no
Afeganistão, nas antigas zonas tribais e em partes importantes do Norte
paquistanês iniciou há dois anos uma revolta contra os Talibã e os seus patronos
dos serviços secretos paquistaneses pondo de rastos o mito alimentado por estes
de que o Jihadismo seria oriundo do sentir profundo das tribos Pashtun.
Essa revolta, iniciada no Paquistão,
está progressivamente a propagar-se no Afeganistão, com os afegãos a
distanciar-se cada vez mais das redes terroristas alimentadas pelo Paquistão e
pelo Irão, e isto apesar da contínua deriva diplomática ocidental que parece
mais interessada em agradar aos promotores do terrorismo do que dialogar com as
populações.
No Cachemira, após uma enorme
campanha feita a propósito de uma mudança constitucional, em que o
Primeiro-ministro paquistanês chegou a ameaçar com a guerra nuclear, a revolta
da população do Cachemira sob controlo paquistanês, num movimento secular,
parece ser o resultado inesperado da movimentação paquistanesa.
A grande fronda internacional lançada
pelo Paquistão contra a Índia foi recebida de forma glacial pelos Estados
muçulmanos, tendo apenas os países alinhados com a Irmandade Muçulmana
(Malásia, Turquia, Qatar, Gaza sob o Hamas, Trípoli na Líbia) e o Irão saído em
sua defesa, com o Reino Unido a dar apenas conforto moral.
2. Mundo árabe
Mas é no mundo árabe que a mudança é
mais óbvia. Na Tunísia, os islamistas são claramente derrotados, embora seja
verdade que o vencedor, apresentando-se como laico, tem um discurso e um
programa de pendor fascista, tal como a Irmandade Muçulmana. Na Líbia, a
milícia que controla Trípoli é sustentada em financiamento e armamento pelo
Qatar e Turquia e resiste dificilmente aos seus opositores laicos. Nos regimes
autoritários laicos – como a Argélia ou o Egipto – os islamistas não controlam
nem sequer têm uma presença significativa nos protestos populares e, talvez o
elemento mais significativo, seja a revolta aberta dos países colonizados pela
teocracia como o Líbano ou o Iraque, mandando às malvas a suposta obediência
aos líderes religiosos.
O principal argumento do Jihadismo, a
luta em nome do Islão, não consegue já ser o motor do que quer que seja de
popular no mundo árabe, que olha cada vez mais para ele como o problema e não
como solução.
Estou em crer que esta crise aberta
do fanatismo islâmico no mundo árabe se faz também sentir entre a população
emigrada que cada vez mais ignora a propaganda fanática ou se afirma mesmo
contra ela.
3. Os novos impérios
A Turquia, em comunhão com o Qatar, é
hoje a grande protagonista do Jihadismo promovido pela Irmandade Muçulmana,
juntando à religião um discurso de nostalgia imperial num projecto político de
restauração do Califado hegemonizado pela Turquia.
Depois de experimentar a primeira
significativa derrota política, perdendo as eleições nas duas principais
cidades turcas, Erdogan conseguiu ver o seu projecto expansionista na Síria
aprovado pela teocracia iraniana e pelo presidente russo na cimeira de
Ancara de 16 de Setembro enquanto o Ocidente se mostrou incapaz de
tomar uma posição clara e sólida.
A prospeção de gás pelas autoridades
turcas em águas cipriotas e a publicação simultânea pelo Ministro da Defesa
turco de mapas imperiais de uma Turquia englobando áreas significativas
dos seus vizinhos da União Europeia não pode deixar de ser lida como o
prenúncio de mais expansionismo.
Nada houve de mais importante para a
transformação de um movimento identitário baseado na religião num poder de
Estado com ambição de se transformar no império dominante no mundo do que a
Revolução Islâmica Iraniana.
Al Baghdadi
O Irão controla já hoje um Império
que se estende do Índico ao Mediterrâneo e está presente de diversas formas no
resto do mundo. Visto de forma benevolente pela Rússia e pela China enquanto
potência que mais afronta os Estados Unidos, começa hoje a confrontar-se com
revoltas nos países onde exerce um controlo mais apertado há mais tempo, o
Líbano e o Iraque, que se juntam assim à profunda impopularidade do regime
entre os iranianos que já é antiga mas que se tem agravado.
Simultaneamente rival e aliada do projecto
da Irmandade Muçulmana, a República Islâmica do Irão espera apenas que os EUA
acabem por ceder às suas imposições, como o têm feito sistematicamente no
passado.
Baseados em cálculos e visões
lineares do Xiismo versus Sunismo, os observadores ocidentais nunca entenderam
que a posição aparentemente minoritária do Xiismo no Islão de modo algum é um
obstáculo intransponível ao sucesso do projecto iraniano, algo que seria mais
óbvio se conhecessem com mais rigor e de forma mais independente a sulfurosa história
do Islão e das suas incontáveis dissidências e reencontros.
Tal como aconteceu com outros
projectos imperais – como o do comunismo soviético – o apelo ideológico do
Jihadismo parece estar esgotado, o que não quer dizer que o projecto não
prossiga, agora mais baseado em argumentos de força e de dinheiro, na
determinação e na sua capacidade estratégica que parecem faltar ao Ocidente.
Do ponto de vista dos impérios
jihadistas como o Irão ou a Turquia, grupos com alto grau de autonomia
estratégica como o ISIS são uma faca de dois gumes. Por um lado, permitem-lhes
protestar inocência pelo terror que provocam no Ocidente mas por outro não
obedecem às suas prioridades. Tudo indica que a decapitação do ISIS vai tornar
o vasto manancial de guerra do grupo terrorista mais fácil de utilizar pelo
imperialismo jihadista.