O governo Bolsonaro é denunciado internacionalmente por conta de seus
tenebrosos planos políticos em relação à floresta (Open Democracy e Democracia
Abierta, em parceira com The Intercept, expuseram hoje quais
são esses planos). Países da Europa ocidental que custeiam o Fundo Amazônico
estão indignados com a burrice e a desonestidade intelectual de Bolsonaro e de
seus ministros do Meio Ambiente e das Relações Exteriores.
Por Jean
Wyllys | Texto en portugués de Brasil
- Tomado
de Jornal Tornado
No Brasil,
alguns artistas da televisão e da música protestam contra o ataque à Amazônia.
Mas ainda há muitos artistas populares calados em relação ao destino da
Amazônia no governo Bolsonaro. No caso de um deles, porém, o silêncio diz
muito: Roberto Carlos.
O cantor e
compositor capixaba costuma – como quase todo artista popular que se torna um
ícone, ídolo de pessoas de diferentes gerações e classes sociais –
posicionar-se pouco ou quase nada sobre questões políticas. Em suas entrevistas,
quase sempre, reitera platitudes sobre causas unânimes, como, por exemplo, a
“paz mundial”, o “combate à fome”, o “cuidado com as crianças” e a “proteção
dos velhos”.
Em relação às
causas polêmicas – casamento igualitário, legalização do aborto, legalização e
regulamentação do comércio e consumo de drogas, combate ao racismo e à
homofobia, por exemplo –, nada diz porque sabe que o que disser resultará em
críticas e em afastamento por parte de quem não comunga de seu posicionamento.
Porém, apesar
de aprisionado na engrenagem de manutenção dessa popularidade, Roberto Carlos
vem, há décadas, posicionando-se de maneira crítica e contundente não só sobre
a Amazônia – mas sobre esse capitalismo predatório que produziu o aquecimento
global e as mudanças climáticas e sobre práticas criminosas que ameaçam de
extinção outras espécies vivas. Sim, muito antes de estes temas se tornarem uma
agenda global, Roberto Carlos já os cantava.
Nuvens
escuras
Muito antes
da fumaça das queimadas transformarem São Paulo em noite no meio da tarde,
Roberto Carlos já dizia, em O Progresso, no ano de 1976, que não
queria ver “tantas nuvens escuras nos ares” nem “todo verde da terra morrendo”,
e, de quebra, criticava a indústria armamentista e o culto às armas.
Dois anos
depois, o cantor voltou ao tema em O Ano Passado, dessa vez citando
nominalmente a floresta amazônica: “Quem padeceu de insônia com a sorte da
Amazônia na lei do machado?”. Nessa letra futurista, em que imagina um museu
que guardará as relíquias da natureza destruída pelos seres humanos, Roberto
Carlos faz uma crítica aberta ao modo de produção capitalista que está
exaurindo os recursos naturais para privilégios de poucos e ao mercado financeiro
e sua insensibilidade em relação às desigualdades sociais:
“Os gritos na
Bolsa falaram de outros valores! Diante da economia, quem pensa em ecologia? Se
o dólar é verde, é mais forte que o verde que havia. O que será o futuro que
hoje se faz?”.
As baleias
Em 1981, fez
um emocionante protesto contra a caça predatória de baleias numa música que os
elitistas gostam de acusar de “brega”, mas cuja letra é um primor (além de ter
uma linda melodia):
“Não é
possível que, no fundo do seu peito, seu coração não tenha lágrimas
guardadas pra derramar sobre o vermelho derramado no azul das águas que você
deixou manchadas!
Seus netos
vão lhe perguntar, em poucos anos, pelas baleias que cruzavam os oceanos, que
eles viram em velhos livros ou nos filmes dos arquivos dos programas
vespertinos de televisão”.
Amazônia, o
álbum
Por fim, em
1989, quando o País buscava se redemocratizar por meio de uma eleição
presidencial direta (a primeira após mais de duas décadas de uma terrível
ditadura militar, em relação à qual Roberto Carlos nunca se posicionou contra
abertamente), o cantor praticamente dedicou seu disco à causa da Amazônia. Na
capa, aparece usando uma pena como brinco, numa referência aos povos indígenas
ameaçados.
Na letra
de Amazônia, carro-chefe desse disco, Roberto Carlos se refere a
ameaças e práticas que já existiam, mas que agora se agravam drasticamente com
um governo – o governo Bolsonaro – que nega as mudanças climáticas decorrentes
do aquecimento global e é complacente com o (para não dizer cúmplice do) garimpo
ilegal em terras indígenas e com o agronegócio que deseja ampliar seus pastos:
“Numa ambição
desmedida, absurdos contra os destinos de tantas fontes de vida. Quanta falta
de juízo! Quem desmata, mata. Como dormir e sonhar quando a fumaça no ar arde
nos olhos de quem pode ver?”
Sendo assim,
de todos os artistas populares que continuam covardemente calados em relação à
sorte da Amazônia no governo Bolsonaro, Roberto Carlos é o que menos merece ser
cobrado. Ele já disse
muito e antes!