Texto en portugués / O economista e presidente da
Fundação Perseu Abramo, Marcio Pochmann, falou, durante seminário do PT no Rio
Grande do Sul, sobre as profundas mudanças no mundo do trabalho, na economia,
nas classes sociais, globalização financeira e revolução tecnológica. Pochmann
acredita que o Brasil está definido seu perfil para o futuro e que os partidos
e sindicatos estão com “uma retórica envelhecida”.
Estamos
vivendo uma mudança de época profunda na história brasileira que pode ser
comparada aquelas que ocorreram na década de 1880, quando ocorreu a abolição da
escravatura, e na década de 1930, quando o país começou o seu processo de
industrialização. As mudanças se dão em diversos níveis que vão desde o perfil
demográfico do país, passando pela estrutura de classes, pelo funcionamento do
trabalho e da economia e chegando à dinâmica das cidades. É preciso ter esse
horizonte mais amplo como referência para se pensar os desafios políticos
colocados por essa realidade que já implodiu o pacto político instaurado pela
Nova República. O diagnóstico é do economista Marcio Pochmann, presidente da
Fundação Perseu Abramo, do Partido dos Trabalhadores (PT), que esteve em Porto
Alegre nesta segunda-feira (12) para falar sobre “os desafios de uma gestão de
esquerda em meio à crise democrática”, tema proposto pelo PT de Porto Alegre
para pensar a atuação do partido nas eleições municipais do ano que vem.
Segundo o
presidente do PT de Porto Alegre, Rodrigo Campos Dilelio, o seminário realizado
no auditório do Sindicato dos Bancários deu início a um processo de debate
programático do partido sobre a cidade, tendo em vista as eleições de 2020. “O
PT está fortemente engajado na construção de uma frente de esquerda em Porto
Alegre”, anunciou o dirigente municipal do partido. Debate programático, frente
de esquerda, política de alianças…tudo isso passa, enfatizou Marcio Pochmann em
sua fala, pela compreensão da nova configuração da sociedade brasileira.
“Habermas disse que toda vez que perdemos a referência do horizonte, a gente se
debruça sobre amenidades. Temos hoje uma narrativa inapropriada que nos leva à
acomodação e a saídas individuais”, disse o economista.
Essa
narrativa, defendeu Pochmann, diz que estamos vivendo um período de
transformações em relação às quais não temos muito o que fazer além de nos
adaptar a elas. Ele apontou como exemplos dessa narrativa os discursos da
globalização financeira e da revolução tecnológica, dois fenômenos globais
sobre os quais não teríamos muita capacidade de influência. A inovação
tecnológica, nesta narrativa, seria uma das principais responsáveis pelo
desemprego e exigiria que os trabalhadores se preparassem melhor para enfrentar
a nova realidade do mercado de trabalho.
Esses
discursos estão repletos de equívocos, sustentou Pochmann, que citou o fato de
países que lideram o processo de inovação tecnológica, como Alemanha, Estados
Unidos e China, não enfrentarem problema de desemprego. Ele também citou o
exemplo do setor bancário brasileiro que investiu fortemente em automação nos
últimos anos. “Temos hoje cerca de 400 mil bancários no pais, mas também
aproximadamente 1,2 milhão de correspondentes bancários no setor financeiro e
mais de 110 mil trabalhadores autônomos que prestam serviços de consultoria
neste setor. Esse discurso que relaciona inovação tecnológica e desemprego é
terrorismo” .
Estamos
vivendo a transição de uma sociedade industrial para uma sociedade de serviços,
acrescentou o presidente da Fundação Perseu Abramo. No entanto, ressaltou,
diferentemente do que ocorreu nas décadas de 1880 e 1930, essas mudanças vêm
sendo protagonizadas e capitalizadas pela extrema-direita. “Estamos vivendo um
período pré-insurrecional onde a população está extremamente insatisfeita e a
extrema-direita tem maior facilidade de conversar com o povo do que a esquerda.
Precisamos prestar muita atenção neste momento, pois estamos definindo o país
que teremos nos próximos 40 ou 50 anos”, alertou Pochmann.
A perspectiva
histórica invocada pelo economista, em relação ao passado e também ao futuro, é
acompanhada por um diagnóstico, de certo modo, dramático para a definição do
que fazer no presente político do país: “a sociedade do final dos anos 70 e
início dos anos 80, que deu origem ao PT, não existe mais. Se seguirmos fazendo
as coisas do jeito que fizemos até aqui não teremos melhores resultados do que
os que já obtivemos”. Pochmann detalhou essa transmutação social, do ponto de
vista da estrutura de classes, que impõe novos desafios programáticos e
organizativos:
“Na década de
80, tínhamos uma burguesia industrial no país. Hoje, a indústria brasileira
representa menos de 10% do PIB, o que equivale ao que tínhamos em 1910. Hoje,
temos o predomínio de uma burguesa comercial, que quer comprar barato e vender
caro. Nos anos 80, tínhamos uma classe média assalariada, que praticamente não
existe mais. Hoje, temos uma classe média de PJs (pessoas jurídicas) e
consultores. Houve um desmoronamento do emprego clássico da classe média. A
classe trabalhadora também mudou. Cerca de quatro quintos dos trabalhadores
estão concentrados no setor terciário, nas diversas áreas de serviços. Eles não
estão mais concentrados em grandes fábricas, mas em shoppings center, complexos
hospitalares, prestando serviços para condomínios de ricos. A classe
trabalhadora está cada vez mais ligada a um trabalho imaterial e submetida a
nova organização temporal e espacial. Essa nova realidade não faz parte do
discurso dos sindicatos e dos nossos partidos. Estamos com uma retórica envelhecida”.
Outra
novidade na paisagem social brasileira é a força gravitacional das igrejas
evangélicas e de grupos ligados ao crime organizado. Essa capacidade de atração
e aglutinação, defendeu o economista, deriva de sua capacidade de fornecer
respostas de curto prazo aos problemas cotidianos das pessoas, à falta de
perspectiva de futuro especialmente para a juventude pobre das periferias. “Hoje,
cerca de 80 milhões de brasileiros freqüentam semanalmente assembleias, as
assembleias de Deus. Por volta de 2032, os evangélicos já serão maioria no
Brasil, A lógica que rege esse fenômeno está mais ligada à subjetividade das
pessoas do que à racionalidade. Essas igrejas são espaços de sociabilidade onde
as pessoas podem falar sobre seus desejos e anseios. Lá elas encontram laços de
fraternidade e solidariedade. Temos que ter a humildade de reconhecer a nossa
defasagem de compreensão dessa realidade”. No entanto, ressaltou Pochmann, ao
mesmo tempo em que estão com a retórica envelhecida, os partidos e sindicatos
são mais necessários do que nunca em uma sociedade com cada vez menos diálogo e
mais individualismo. Mas terão que se reinventar.
A expressão
político-partidária dessa transformação social não é menos dramática. “O ciclo
político da Nova República desapareceu e com ele também desapareceu a
possibilidade de termos governos de conciliação. E sem a conciliação o que
temos é a polarização”, resumiu Pochmann. Esse ciclo se encerra, acrescentou,
com muitas tarefas não feitas. “Não fizemos nenhuma reforma profunda do
capitalismo. Não prendemos nenhum ditador, após uma ditadura assassina e
corrupta. O orçamento inicial previsto para a construção de Itaipu era de R$ 4
bilhões. No final, a obra custou R$ 21 bilhões. A Argentina prendeu cerca de
mil torturadores. Nós
não prendemos nenhum”.
Por Marco Weissheimer |
Texto original em português do Brasil
Tomado de Jornal Tornado