Nicolas Maduro e Mário Lino, ex-ministro das Obras Públicas de José Sócrates que é presidente do conselho de administração da Iguarivarius
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en portugués / Tomada de Observador
Tem ligações a
figuras políticas influentes e só em 2016 teve um crescimento de mais de 40% no
volume de negócios. A rápida ascensão deu origem a um inquérito no Ministério
Público há um ano.
Por:Sónia Simões
Foi a segunda vez, em dois anos, que a Iguarivarius foi
distinguida em Inglaterra como uma das mais inspiradoras da Europa. A empresa
portuguesa, de Alexandre Cavalleri, foi premiada em 2017 pela London Stock
Exchange pelo seu crescimento nos últimos anos. Um crescimento que em muito se
deveu aos contratos de exportação de carne celebrados com a Venezuela — e
que já levantaram suspeitas às autoridades.
Segundo o próprio Alexandre Cavalleri, em reação à distinção, a Iguarivarius registou em 2016 um
crescimento de 47,3% do volume de negócios, o que traduzido em euros dá mais de
86 milhões. A empresa está agora no centro do incidente diplomático aberto
entre a Venezuela e Portugal, depois de o presidente Nicolás Maduro ter
acusado Portugal de “sabotar” a importação de pernil de porco pelo
regime.
As ligações à política não são algo novo para a Iguarivarius.
A empresa tem como presidente do conselho de administração o socialista
Mário Lino, que foi ministro das Obras Públicas de José Sócrates. E, em
Novembro deste ano, segundo o Portal da Justiça, entrou também para a
administração Manuel Mendes Brandão, que é amigo de Paulo Portas e foi
seu chefe de gabinete no Ministério da Defesa. Mais tarde, seria nomeado
administrador do AICEP. Quando deixou este organismo, Manuel Mendes Brandão
formou uma empresa com Pedro Reis, ex-presidente do AICEP, para prestar
consultoria de apoio à internacionalização de sociedades portuguesas. Segundo
o Negócios, nesta altura passou também a fazer consultoria à
Iguarivarius.
A ligação à Venezuela
Mário Lino conhece bem o regime venezuelano. Como
ministro, integrou a comitiva do primeiro-ministro José Sócrates, que em
2008 esteve no país para estreitar relações económicas. Nessa viagem, Sócrates
acordou com o então presidente Hugo Chávez pagar um terço do petróleo que comprava
à Venezuela com exportações. Ou seja, os barris de petróleo que a Galp
importava seriam pagos com produtos exportados por empresas nacionais das mais
diversas áreas: farmacêuticas, agro-alimentares, tecnológicas e de construção.
Foi por esta altura, como o próprio Alexandre Cavalleri
afirmou ao Jornal de Negócios, que as suas relações comerciais com a
Venezuela começaram. Em 2010, Cavalleri fundou a Iguarivarius para
vender produtos agro-alimentares e convidou Mário Linopara presidente do
Conselho de Administração. Pouco tempo depois, a empresa começou a fazer-se
representar em comitivas políticas pelo mundo. Em 2012, vendeu 5.000 toneladas
de pernil de porco congelado; em 2013, 4.000 toneladas; e, em 2014, 12.000
toneladas, segundo informa a própria empresa.
Nesse ano de 2014, como o próprio diretor-geral da empresa,
João Rosa, admitiu ao Dinheiro Vivo, a Iguarivarius começou a
tentar entrar no mercado chinês por ser uma das maiores “economias mundiais”.
O responsável admitiu estar a fazer contactos com a embaixada da China. Em
maio, a empresa seria uma das 100 que acompanhou Cavaco Silva numa visita
oficial à China. Na viagem do chefe de Estado, a primeira ao país em dez anos,
foram celebrados 21 acordos, mas o embargo para a importação de carnes e
derivados de porco — que já Paulo Portas, enquanto ministro dos Negócios
Estrangeiros, tinha tentado levantar — manteve-se.
Em 2015, novos números. A Agrovarius, empresa criada nesse
ano no seio do grupo da Iguarivarius, vendeu cerca de 12 mil toneladas à
Venezuela. Em 2016, fechou um contrato para vender 14 mil toneladas de
carne para a Venezuela, na altura do Natal, num total de 63,5 milhões de euros. “As
primeiras oito mil toneladas de carne portuguesa chegam a Caracas até ao final
deste mês, conforme já foi anunciado pelo governo venezuelano, através do
ministro da Alimentação Marco Torres”, disse uma fonte da empresa ao Jornal de
Negócios, especificando tratar-se de pernil, segundo a mesma fonte, que
detalhou que o produto em causa é muito consumido na Venezuela nesta altura do
ano.
A investigação ao grupo
Depois de trabalhar com outras empresas, Cavalleri fundou a
Iguarivarius para exportar produtos, mas depois de conseguir estar a trabalhar
em 36 países diferentes percebeu que podia diversificar a sua área de negócio,
como explicou ao Jornal de Negócios. O Grupovarius foi
assim reestruturado em 2016 e nele se integram a Iguarivarius —
detentora do capital de todas as outras empresas do grupo –, a Agrovarius, a
Industrivarius, a Sitvarius, a Metalovarius e a Racingvarius (esta dedica-se a
vender passeios e corridas em carros topo de gama).
A presença do grupo a nível internacional é visível na página
da Internet, traduzida em sete outras línguas. Esta rápida ascensão, no
entanto, despertou suspeitas junto das autoridades. Segundo uma reportagem do
programa Sexta às Nove, da RTP, no final do ano passado a Direção Geral
de Alimentação e Veterinária e a ASAE estavam a colaborar com o Ministério
Público numa investigação à empresa. Estava em causa o rápido
enriquecimento da empresa e alegados crimes de evasão fiscal e branqueamento de
capitais. Também era investigada a alegada exportação de carne espanhola
rotulada como portuguesa. O Observador apurou junto do Ministério Público que o
inquérito foi aberto há cerca de um ano, mas ainda não há informações sobre o
seu desenvolvimento.
Na altura, a empresa disse desconhecer qualquer
investigação e informou que iria prestar todos os esclarecimentos
necessários ao Ministério Público. Esta quinta-feira, ao Observador, Miguel
Guedes, responsável pela comunicação da empresa (que foi assessor de Paulo
Portas quando o centrista era ministro), disse que iria enviar um comunicado
com todos os esclarecimentos sobre a situação que levou agora a Venezuela a
acusar Portugal de ter “sabotado” a entrega de pernil. Mas até ao momento não
enviou nada. E também não atende o telefone. Na empresa, remetem informações
para Miguel Guedes.
Já a Raporal, uma das empresas contratualizadas pela
Agrovarius para fornecimento de pernil para a Venezuela, emitiu esta
quinta-feira um comunicado onde afirma que a carne não seguiu para
aquele país por
falta de pagamento.
O Observador também tentou contactar Mário Lino, mas até ao
momento sem sucesso. A última aparição pública do ex-ministro pela
empresa foi em junho, quando surgiu numa fotografia do Facebook do
Grupovarius com o presidente do Sporting, Bruno de Carvalho. O grupo é
patrocinador do Judo SCP.
Mário Lino apareceu também no final do ano passado numa
cerimónia no Casino Estoril em que o grupo doou 30 mil euros à
associação Comunidade Vida e Paz. Nessa gala, Alexandre Cavalleri lançou um
livro sobre o seu percurso profissional. Chama-se A História do Sucesso.